A exposição Genesis, do artista Sebastião Salgado, traz ao Rio de Janeiro a natureza em sua forma bruta. Foram oito anos e mais de trinta viagens fotografando em situações extremas. Os cariocas terão a oportunidade de conferir 245 fotografias, no Museu do Meio Ambiente, localizado no Jardim Botânico. Confira a entrevista de Salgado para a Folha de S. Paulo, algumas fotos da exposição e um vídeo realizado durante a TED, conferência exclusiva sobre tecnologia, artes e educação.
Mulheres da tribo Zo'e, na Amazônia brasileira - Sebastião Salgado |
Elefante corre ao ouvir carro se aproximar, na Zâmbia - Sebastião Salgado |
Habitante da península de Yamal, na Sibéria - Sebastião Salgado |
Na região da Bacia do Xingu, no Mato Grosso, um grupo de indígenas Waurá pesca na lagoa Piyulaga, perto da aldeia - Sebastião Salgado |
Pinguins em iceberg próximo ao extremo Sul do planeta - Sebastião Salgado |
Tartaruga gigante próxima a vulcão nas Ilhas Galápagos - Sebastião Salgado |
Viagem mais fria
Fiz uma viagem de sonho com os Nenets, na península do Yamal (Rússia). São nômades criadores de rena que vivem num inverno extremo.
Era primavera e fazia entre -35ºC e -45ºC. Por 40, 45 dias, fiquei sem me lavar. Eles não se lavam, não têm água. A água que têm é quebrando um pedaço de gelo e colocando na panela para aquecer. Para fazer as necessidades, é do lado de fora. Você abaixa sua calça neste frio e seus testículos ficam do tamanho de uma castanha de caju, entende? [risos] Mas você acaba se adaptando.
Casaco de raposa
As roupas que levei funcionavam, sim, mas durante três, quatro horas. Passávamos 12 horas do lado de fora. Eles desmontavam a casa e não tinha mais onde ficar. No segundo dia, estava morrendo de frio. Aí eles me emprestaram suas roupas, feitas manualmente, para não passar frio nenhum.
Equipamento gelado
Trabalhei com equipamento Canon, com a EOS1 Mark III [US$ 6 mil na Amazon.com], uma máquina muito potente. O problema foram as baterias. Com esta temperatura [no Yamal], perdem a potência rapidamente. São baterias ultramodernas. Em média, faço 2.500 fotografias por bateria. Então, quando chegava 300-400 fotografias, a bateria não funcionava mais. Eu a colocava dentro da minha roupa, meu assistente me dava outra, eu fazia 300 fotografias e, quando terminava, tirava aquela que tinha colocado na roupa e ela estava perfeita outra vez, com menos 400 que tinha feito. Então levei sem nenhum problema. E levei muita bateria.
Estreia no digital
Comecei [Genesis] com filme e depois passei para digital. Chegou um momento em que tive instâncias de abandonar o "Genesis", em 2008, por causa de raio-x nos aeroportos, virou um inferno. Mas passei para o digital e tive uma surpresa. A qualidade do digital é melhor do que a qualidade que tive em negativo de médio formato. Trabalhei com digital como trabalhei com negativo: desliguei aquele negócio, aquele vídeo atrás da câmera, e fotografei como sempre fotografei. Voltando a Paris, meus assistentes faziam uma prancha de contato e eu editava com a lupa porque não sei editar no computador.
Prevenção
No norte da Etiópia, fizemos uma caminhada de 800 km pelas montanhas. Organizei uma expedição com vários jumentinhos. Tinha um corredor de maratonas etíope que levou meu material mais sensível. Tinha um telefone por satélite e, no caso de acidente, seríamos retirados por helicópteros da Força Aérea. Não aconteceu nada. Em oito anos, só tive acidentes pequenos, malária e várias doenças.
Idade da Pedra
Encontrei tribos que ainda estão na Idade da Pedra, com instrumentos de trabalho como machados de pedra. São clãs com cerca de dez, 12 pessoas vivendo no alto das árvores. Eles já tinham visto um branco. Viram a direção de que eu vinha e o chefe me perguntou se eu fazia parte do clã de brancos que vinham daquela direção. Porque, para eles, o mundo é construído de clãs.
Flechas brasileiras
Estive com o grupo Zo'e, lá no Brasil, que foram contatados 15 anos atrás e estão num estado de pureza total.
Você vê o cara trabalhando numa flecha. Ele esquenta, põe peso, põe pena mais reta se quer a flecha mais rápida, pena mais redondinha para ficar mais lenta. É exatamente a ciência dos foguetes.
E tem o mesmo problema do Cabo Canaveral [base aérea dos EUA] para recuperar o foguete. Ele perde a flecha se não tiver um cálculo balístico perfeito. Ele sai para caçar com mais ou menos dez flechas, não mais que isso.
Documentário
Meu filho Juliano [Ribeiro Salgado] viajou comigo em cinco histórias, como no Brasil e na Sibéria. Agora está montando o filme em Berlim com Wim Wenders. Wim foi lá em casa, no Instituto Terra, em Aimorés (MG), filmar tudo [o filme terá codireção de Wenders e Juliano, com pré-estreia no Festival de Veneza, em agosto].
Ativista ou Fotógrafo?
Fotografia é minha vida. Quando estou fotografando, entro em transe total. Quando estou com a câmera e começo a viajar com meus Nenets, é minha vida, de manhã e noite. Tenho realmente fotografias incríveis. A última que projetei ontem [no TED], totalmente branca e uma linha de renas entrando no infinito, é muito bonita. Você faz uma foto desta, eu te juro, você goza depois. É um negócio assim maravilhoso. Minha vida é fotografia. Mas minha vida também é ecologia, é o Instituto Terra, esta dedicação toda que nós tivemos.
Recuperação de fontes
Criamos uma tecnologia de recuperação de fonte de água e fizemos uma proposta de um projeto para a [presidente] Dilma e ela adotou. Queremos recuperar todas as fontes do rio Doce [em Minas Gerais]. É o maior rio do Sudoeste do Brasil, tem 900 km. É uma bacia tão grande quanto Portugal. Podemos fazer isto em 35 anos. Vamos salvar um rio e plantar mais de 100 milhões de árvores. Vamos criar um piloto para o Brasil inteiro para salvar todos os rios. O nosso projeto deve custar um pouco mais que R$ 2 bilhões.
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